O lugar de silêncio da filha mais velha
Ou: parafraseando e adaptando (com admiração) o título da Giovana Madalosso
Gosto muito da coluna da Giovana Madalosso na Folha (se não conhece, procure conhecer!). O texto do último domingo, “O lugar de grito da filha mais velha”, me levou para um misto de sentimentos, como uma colega do mestrado comentou. Eu sou a filha mais velha.

Esse papel de filha mais velha é marcado por um silêncio ensurdecedor, não apenas ausente de palavras, mas carregado de dívidas emocionais e responsabilidades. A filha mais velha se torna a cuidadora, a apoiadora e, muitas vezes, a que se sacrifica por um “bem comum”, a paz na família. Um ciclo de obrigações que frequentemente a priva de sua própria voz. Quando isso se transforma em grito, mesmo o grito interno de uma decisão de que não cumprirá mais esse papel, me parece o início de uma libertação.
No caso da enfermeira e da fisioterapeuta exposto por Giovana Madalosso, observamos o peso esmagador que a sociedade impõe às filhas mais velhas. Elas são forçadas a assumir responsabilidades que não deveriam ser suas, perdendo a oportunidade de estudar, brincar e construir seus próprios sonhos. Ao cuidar de seus irmãos mais novos, experimentam uma sensação de isolamento e solidão, para a qual não têm preparo nem bagagem para processar.
O cenário se torna ainda mais dramático porque, no Brasil, muitas filhas mais velhas são filhas de mães solo. Essas mulheres, lutando para sustentar a família sem a presença do pai, transferem responsabilidades para as filhas, que assumem a rotina doméstica desde a infância. A filha mais velha se torna uma “comãe”, com todas as atribuições e responsabilidades que vêm no pacote.
Diante da necessidade do real da vida, a subsistência, vem o silêncio da filha mais velha. Constrangedor e invisível, se perpetua na vida adulta — como não? A necessidade de ser sempre a "boazinha”, de não incomodar, de não decepcionar, gera um grito engolido, contido, que sufoca as próprias necessidades e desejos. Um mar interno revolto, mas enclausurado, que precisa ser libertado.
É crucial que a sociedade reconheça o silêncio. Esse não dizer nem sempre recai sobre as filhas mais velhas. Pode ser sobre a mãe solo. Pode ser sobre os outros filhos de uma família que assumem tarefas dos adultos, pela falta de apoio (de todos os níveis, inclusive e principalmente do Estado — e aqui não me refiro só a programas sociais).
O cuidado não deve ser uma sina. O cuidado deve ser dito em alto e bom som, aos quatro ventos, para acabar com o silêncio e a invisibilidade da carga física e emocional de quem cuida — seja quem for a/o cuidador/a. Mas, especialmente na infância, não é natural crianças cuidarem de outras crianças. E, felizmente, isso vem sendo visto e exposto para, quem sabe, conseguirmos transformar o silêncio em gritos de mudança.